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terça-feira, 19 de junho de 2012

Dois litros de água e uma grande polêmica

 
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Nutricionista australiano defende que o incentivo a um consumo mínimo do líquido é, na verdade, uma estratégia da indústria que engarrafa o produto. Segundo o pesquisador, frutas, verduras e legumes também fornecem os fluidos necessários para o bom funcionamento do corpo
Marcela Ulhoa
Publicação: 19/06/2012 04:00

Beber pelo menos 2l de água por dia é realmente necessário ou alarmismo? Um estudo da Universidade La Trobe, da Austrália, sugere que a campanha para o alto consumo do líquido está muito mais ligada aos interesses de empresas que vendem o produto engarrafado do que a uma preocupação com a saúde pública. Responsável pela pesquisa, o nutricionista Spero Tsindos afirma que as conhecidas recomendações que defendem o consumo de oito copos de líquidos por dia foram mal interpretadas intencionalmente, de forma a colocar a água como a principal, e mesmo a única, responsável pela hidratação do corpo. Segundo o pesquisador, os alimentos com alto teor de água têm um papel muito mais importante do que se imagina, sendo a melhor opção, inclusive, para quem quer emagrecer. A tese defendida pelo nutricionista é polêmica e criou um rebuliço entre especialistas.
Para o médico ortomolecular Ícaro Alcântara, a defesa de Tsindos é um contrassenso. “Se a indústria de água engarrafada quer o maior consumo de água, existe uma enorme indústria da doença interessada em que as pessoas se cuidem cada vez menos para que elas possam lucrar em cima dos problemas de saúde”. Segundo Alcântara, a baixa ingestão da água é responsável pelo desenvolvimento de inúmeras doenças, como a cefaleia, a constipação intestinal e problemas relacionados ao ressecamento da pele e dos olhos.
O médico ainda defende ser essencial que um adulto consuma aproximadamente três litros de água durante o dia. “Essa média é calculada para uma pessoa com 60 quilos que vive no nível do mar. Considerando as pessoass que vivem em cidades muito acima do nível do mar, como Brasília, que está mil metros acima do nível do mar e submetido a uma umidade relativa do ar muito baixa, o que requer um consumo maior de água”, alerta. Segundo ele, a necessidade de líquido varia também de acordo com a taxa de atividade física de cada pessoa. “Todas as trocas de nosso corpo precisam da molécula de água para acontecer. A água hidrata, lubrifica, aquece, transporta nutrientes, elimina toxinas e repõe energia.”

Estudo no Saara Para auxiliá-lo em suas conclusões, Tsindos utiliza-se de uma etnografia realizada em 1976 pelo antropólogo Claude Paque sobre o consumo de água entre povos nômades do Deserto do Saara. Em tal estudo, foi constatado que as etnias africanas ingeriam metade da proporção do líquido consumida pelos europeus, e isso tudo em um ambiente infinitamente mais severo. “Não há nenhuma evidência para apoiar a crença dos oito copos de água por dia, mas há evidências de que um adulto saudável pode viver com muito menos”, defende Tsindos em entrevista ao Estado de Minas. Para ele, o “exagero” encontra explicação na rentável indústria da água mineral engarrafada, um dos mercados que mais cresce no mundo. No Brasil, por exemplo, a taxa aproxima-se dos 10% ao ano. “Há 30 anos, você não via uma garrafa de água em nenhum lugar. Agora, elas aparecem como um acessório fashion”, critica o nutricionista.
De acordo com Carlos Alberto Lancia, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Água Mineral (Abinam), o crescimento do setor está relacionado a hábitos mais saudáveis dos brasileiros, que têm, cada vez mais, buscado diminuir a presença dos refrigerantes nas refeições. “A indústria de água mineral é uma das que mais cresce no Brasil porque as pessoas querem um produto natural. Quanto mais você aumenta a cultura do país, mais você vai ter consumidores de água”, defende. Segundo o geólogo, a média de consumo de água no Brasil é de 40l per capita por ano, enquanto a europeia é de 180l.
Em seu artigo, Tsindos relata os resultados da Pesquisa Nacional de Nutrição realizada na Austrália em 1995, um levantamento detalhado que procurou determinar o que os australianos saudáveis comiam e bebiam. Os números finais indicaram uma ingestão de 2,8 litros de fluidos por dia para as mulheres adultas e 3,4 litros para os homens adultos, total que incluía a água encontrada em alimentos e bebidas. Entre as últimas, estavam não só a água pura, mas também a disponível em chás, cafés, sucos, dentre outros. “Os humanos precisam manter um balanço de fluidos no organismo e beber água quando o corpo requer, mas, além disso, precisam considerar o líquido presente nos sucos, nas frutas e nos vegetais não processados”, defende Tsindos.
A nutricionista Fernanda Bassan ressalta que, para que os líquidos sejam incluídos de forma saudável à alimentação, é preciso evitar bebidas com açúcar, sucos artificiais e refrigerantes, inclusive os dietéticos. “Esses fluidos até podem contribuir para a hidratação, mas não são opções saudáveis para a alimentação. É melhor dar preferência aos sucos naturais, aos chás sem açúcar, à água, à água de coco e às frutas”, explica. Segundo ela, o consumo de frutas in natura é ainda melhor do que o de sucos, para manter o alto teor de fibras, vitaminas e minerais. “Devemos consumir pelo menos três porções de frutas e cinco porções de hortaliças ao dia. Com isso, já temos aproximadamente 500ml de água vindos desses alimentos.” Bassan complementa que, apesar de as frutas e verduras serem os alimentos campeões em teor de água, é possível encontrá-la também em carnes, peixes e pães.

Mito da desidratação
  Na pesquisa desenvolvida pela universidade australiana, outro ponto controverso diz respeito ao momento em que se deve ingerir líquidos. “Existe um mito de que, quando você está com sede, é porque já está desidratado. Isso não é verdade. Seu corpo só está lhe dizendo que é hora de beber. Ele vai absorver a água necessária e remover o resto”, defende Tsindos. Alcântara, entretanto, acredita que beber água de hora em hora, mesmo sem sede, faz parte de ações que visam prevenir possíveis problemas. “É como se você esperasse ter uma cárie para ir ao dentista”, compara o médico ortomolecular.
Além de sua importância em manter o bom funcionamento do corpo, a água é muitas vezes o personagem principal de dietas de redução de peso. Mulheres e homens, em busca do emagrecimento rápido, eliminam drasticamente os alimentos e dão prioridade ao líquido durante vários dias. A pesquisa de Tsindos, entretanto, revelou que a água nos alimentos ingeridos tem maior benefício na redução de peso. “Ela ajuda na perda da fome, mas não é, por si só, a responsável por emagrecer. É preciso combiná-la com um dieta de baixa caloria”, explica. Segundo o pesquisador, a ingestão exagerada de água, além de não ajudar na redução de peso, pode levar à hiponatremia, chegando mesmo à insuficiência cardíaca.
Um diferente ponto de vista, entretanto, é apresentado por Alcântara, que explica o processo de emagrecimento por meio da ação dos três grandes combustíveis do nosso organismo: água, comida e oxigênio. “Se falta um deles, nosso metabolismo diminui. Quem ingere pouca água retém líquido no corpo e acaba engordando. É por isso que a água é importante para quem quer emagrecer, porque é um dos combustíveis para o bom funcionamento do metabolismo”. O médico ainda esclarece que doenças relacionadas ao excesso de água ocorrem somente quando a quantidade ingerida é maior do que a capacidade do rim em filtrá-la e eliminá-la por meio da urina.
Apesar das polêmicas, para Carlos Alberto Lancia, não há nenhuma bebida que possa substituir a água, “o único produto 100% natural”. “A da torneira não é, a do filtro também não. Além disso, a maioria das frutas e verduras tem agrotóxicos. Essa é a realidade. Faça um teste e consuma só a água dos alimentos para perceber a diferença. Existem vários estudos no mundo sobre a água, mas devemos seguir o que é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde): a ingestão de 2l por dia”, defende.
 
 
 
 

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